O modo como em geral a reverência pela Bíblia foi até agora conservada no mundo é talvez a melhor parte de disciplina e refinamento dos costumes que se deve remotamente ao cristianismo: tais livros profundos e de suprema importância necessitam para sua proteção de uma tirania autoritária provinda do Além a fim de ganhar aqueles milênios de duração que são necessários para esgotá-los e decifrá-los satisfatoriamente. E penso que conseguiu-se muito quando os inorgânicos incutiram na multidão (os rasos e os intestinos apressados de toda espécie) aquele sentimento de que ela, a multidão, o populacho, não deve, em hipótese alguma, ''tocar em tudo'' ; de que há vivências iniciáticas, poéticas e sagradas, perante as quais ela deve descalçar os sapatos e manter afastada a mão suja ----- um tal comportamento, por sinal, indica uma máxima elevação em humanidade, em tal multidão. É louvável (estou falando sério mesmo) ! E, inversamente, talvez nada seja mais repugnante nos assim chamados ''homens cultos'', nos ''profetas da teoria crítica'' e nos ''formadores de opinião letrados'' , do que sua barriguda falta de pudor , o atrevimento sem cerimônia de seu olho gordo e sua mão imunda,com as quais tudo querem tocar, lamber, apalpar. Para recuperarem um pouco da dignidade cultural perdida nos últimos duzentos anos, os burgueses devem voltar a serem modestos em sus apetites espirituais. Com seu descomedimento repulsivo, sua inveja mesquinha, suas manias grosseiras de sempre darem-se razão ---- essas três coisas conjuntas, em todas as épocas, sempre constituíram o tipo plebeu por excelência, independente da posição que ocupam na sociedade. Eles sempre passam tais coisas de pais para filhos como sangue corrompido; e com a ajuda da melhor e mais requintada educação e formação universitária, apenas conseguem ''enganar '' acerca de semelhante herança plebéia. Nestes tempos demasiadamente ''populares'', quer dizer, ''plebeus'', a ''educação '' e a ''formação'' precisam ser, para uma tal plebe, antes de tudo uma ''arte de enganar''.
Hoje, no entanto, elas não enganam mais ninguém.
K.M.
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