sábado, 8 de abril de 2017
PODER-CONHECIMENTO
O deus-pensador e os leigos ; um fundamentalmente identificado com a ação , os outros apenas de maneira secundária; um interessado na análise dos fenômenos espirituais, os outros apenas em (sofrer) seus efeitos ----- a interação entre esses dois aspectos dessa relação complexa aparece de modo claro na descrição de povos tradicionais do antropólogo norte-americano Paul Radin . ''O homem primitivo tem medo de uma coisa , das incertezas da luta pela vida''. A incerteza sempre foi uma fonte suprema de medo. O comportamento aleatório de fatores cruciais de sucesso ou fracasso da luta pela vida, a imprevisibilidade obstinada do resultado , a falta de controle sobre tantas incógnitas na equação da vida, isso sempre gerou desconforto espiritual agudo e fez os sofredores ansiarem pela segurança que somente o controle prático ---- ou a consciência intelectual espiritualmente desperta ----das probabilidades pode dar .Este anseio tem sido o fio da meada primordial com que mágicos, Choans , sacerdotes, brujos e cientistas iluminados, profetas e ou profissionais da política estão às voltas. ''O formulador religioso, primeiro de forma inconsciente, caso se prefira , capitalizou a sensação de segurança do homem comum . O formulador religioso, O Legislador Cósmico, desenvolveu a teoria de que tudo de valor , mesmo todas as coisas imutáveis e previsíveis sobre o homem e o mundo à sua volta, estavam cercadas e imersas em perigo, que esse perigo só podia ser superado de uma maneira específica e segundo uma prescrição concebida e aperfeiçoada por ele '' (Radin ) . Capitalizar a ''sensação de insegurança '' expressou-se na postulação de uma posição particular muito vantajosa, acessível somente a pessoas especiais e em condições especiais, que são capazes de discernir uma lógica, por sob a aleatoriedade superficial , de tal forma que o aleatório podia tornar-se previsível . Assim , o controle do destino proposto pelos formuladores religiosos foi desde o início mediado pelo conhecimento ; um elemento crucial da operação, como insiste Radin , foi a ''transferência de poder coercitivo do sujeito para o objeto ''. (Como diria Francis Bacon, numa sociedade separada daquela descrita por Radin por milênios da Naturgeschichte - história natural - , ''pode-se dominar a natureza rendendo-se às suas leis '' ) . Uma vez que os determinantes do destino tenham sido objetificados, e uma vez que se tenha negado à vontade do sujeito o poder de forçar , influenciar ou instigar objetos externos, levando-os à submissão , o único poder de relevância para o anseio primevo da certeza é o conhecimento. A maneira específica pela qual a sensação de insegurança foi capitalizada por parte dos formuladores religiosos e xamãs e seus equivalentes posteriores elevou o atributo de ''SER NO SABER '' à condição de sua premissa e efeito inevitável , a um só tempo . Mas há ainda mais luz na análise de Radin . O tipo de conhecimento que os formuladores religiosos reivindicavam não era de modo algum predeterminado ou confinado pelos medos que assombravam a ''gente comum ''. O traço notável do processo de alcançar conhecimento é que ele criava tantos mistérios novos quanto esclarecia mistérios velhos ; e gerava tantos medos novos quanto mitigava os antigos . A maneira como a incerteza foi originalmente capitalizada desencadeou um processo interminável, auto-propelido e auto-reforçador, do qual foi excluída a própria possibilidade de um dia levar o esforço a uma conclusão e de substituir a situação de incerteza (dentro de dados parâmetros do processo de vida ) por outra , de equilíbrio espiritual controle prático. Uma vez que esse processo fosse posto em movimento , tornava-se manifesto que mesmo coisas em aparência ''imutáveis e previsíveis '' estavam na realidade ''cercadas e imersas em perigo ''. O poder-conhecimento denota um mecanismo auto-perpetuador, o qual , num estágio relativamente prematuro, cessa de depender do ímpeto original , pois cria condições para sua própria operação contínua e cada vez mais vigorosa. Novas incertezas geradoras de medo são introduzidas n mundo da vida dos ''leigos ''. E muitas delas são tão abissalmente distantes de suas vidas cotidianas, que nem a gravidade nem a cura cura declarada podem ser verificadas , em contraste com os efeitos evidentes do ponto de vista subjetivo . Tal circunstância, claro, aumenta ainda mais o poder do conhecimento e de seus portadores e guardiões. Além disso, ela torna esse poder quase inquestionável . A distinção até certo ponto inócua, estabelecida entre ''formuladores religiosos '' e ''gente comum '', entre ''estar interessado em idéias '' e ''estar interessado em seus efeitos '', leva a consequências formidáveis. Ela engendra uma assimetria aguda no desdobramento do poder social . Não só ela promove uma nítida polarização de status, influência e acesso ao excedente social produzido como tbm (talvez mais importante) baseia uma relação de dependência na oposição de temperamentos. Os fazedores tornam-se dependentes dos pensadores, a gente comum não pode conduzir seus assuntos cotidianos sem pedir e receber a assistência dos formuladores espirituais . Como membros da sociedade, as pessoas comuns passam a ser incompletas, imperfeitas e carentes. Não existe uma maneira clara de reparar de forma permanente suas imperfeições mórbidas. Oneradas para todo o sempre por seus defeitos, elas necessitam a presença constante e a intervenção providencial e milagrosa e xamãs, yoguis, iniciados e jivan-muktas. A intensidade dessa necessidade (e da força de dependência ) cresce com o número de incertezas incorporadas à existência das pessoas comuns, e do grau em que xamãs e deuses desfrutam do monopólio de manipulá-las. Se, portanto, como sugere Radin , os formuladores espirituais são motivados pela intenção de ''fortalecer sua autoridade '' , ou mesmo, de modo mais cínico , pelo desejo de ''alcançar e aumentar '' sua '' segurança econômica '' , a estratégia mais racional aberta para eles será manipular as crenças das pessoas comuns para aumentar a experiência da incerteza e da incapacidade pessoal de repetir efeitos em potencial deletérios. (Essa estratégia seria uma aplicação da regra cibernética geral segundo a qual , em todo sistema complexo , domina o subsistema ''mais próximo da instabilidade '' ) . Essa condição é bem satisfeita quanto mais esotérico e inacessível for o conhecimento indispensável para manusear a incerteza, quanto mais o manuseio da incerteza exigir implementos que as pessoas comuns não possuam , ou quanto mais a participação do xamã for reconhecida como ingrediente insubstituível do procedimento ...
K.M.
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