quinta-feira, 20 de abril de 2017

''Ricorso '' : o ''riocorrente'' invocado por Vico e Joyce.




Como a re-combinação , tão limitada quanto seu jogo , poderia satisfazer a imagem daquela recorrente ''sede pelo solo virgem do tempo ????" A percepção  da recorrência, de um ETERNO RETORNO  de temas, motivos, narrativas e situações dramáticas apresentadas em formas análogas produziu hipóteses muito interessantes. O axioma calculadamente óbvio d  e Robert Graves que afirma que ''existe uma e só uma história '' (a da Musa , a da submissão de todo poeta ao ''eterno feminino '' ) possui sua contrapartida na antropologia estrutural e na narratologia formalista. Pesquisadores de mitos e contos  folclóricos sustentam que as células originárias de todas as narrativas que estudam, sejam as da epopéia oral , do drama ou da futura ficção em prosa, são identificáveis e restritas em número. O tema da Busca, do Filho Perdido ou Rejeitado e especialmente o da Descida aos Infernos são unidades seminais sobre as quais a poesia tardia vai elaborar e criar infinitas variações, mas sempre de acordo com os princípios formais e estruturais perfeitamente estabelecidos. Assim como o conjunto drasticamente limitado de sinais fonéticos pode gerar uma infinidade de combinações verbais e escritas, da mesma forma toda literatura e toda narração de contos e do mundo emerge de um conjunto de ''données '' arquetípicos. A classificação de ''tema e variação '' não representa só um recurso musical, mas a dinâmica organizada linguisticamente da literatura in toto. Ainda uma vez, a analogia mais sugestiva seria a imagem do universo de acordo com a teoria da relatividade : um espaço -tempo ilimitado mas finito. Mas quais são as fontes dessas 'figurae'' primais ----- e como são transmitidas ao longo do tempo ???' Lévi -Strauss procurou estabelecer um lógica dos mitos (mytho-logique ). Os contos contados e recontados por todo planeta através da história, mesmo que com ''variora'' locais , espelham as constantes biológicas e sociais da espécie humana. São narrativas que formalizam uma imagem instintiva e os processos cerebrais comuns à humanidade e que , mais especificamente, capacitam a mente humana a conviver e a reagir a provocações e contradições insolúveis como as do tabu de nossas relações ambíguas com o meio natural e animal ou com a inelutabilidade da morte. A evolução neurofisiológica, se realmente ocorreu desde os primeiros prenúncios de autodefinição e da articulação humanas , é algo que sempre passou despercebido . O corpo e o sistema nervoso moderno contnuam a habitar e a se deparar com imperativos primordiais. A ciência conta novas histórias ---- com paradigmas inovadores , mas não consegue aprofundar-se muito em determinações primais e originários. O maior choque da literatura, da grande literatura, é o déjà-vu . A psicanálise na mesma direção.. sua arqueologia busca investigar as estratificações e os fundamentos da consciência ----- um bom número de mitos canônicos e suas metamorfoses e variantes literárias só se mostram duradouros e foram perpetuamente repetidos porque exibiram à luz da imaginação racional e de formas expressivas controladas  o impulso vulcânico de elementos pré ou subconscientes que acabariam de outro modo reprimidos. São narrativas básicas que constituem os sonhos-verdade de nossa individuação e de nosso ser infantil  e sexual. As triplicidades em Rei Lear ou nos Irmãos Karamazov são variações tipológicas do conto folclórico universal de Cinderela. Hamlet simplesmente revisita os pesadelos de Édipo. Pace seus embaraçados acólitas , Freud conseguiu intuir tanto em Totem e Tabu quanto em Moisés e o Monoteísmo a existência de alguma forma de transmissão biossomática e de algum tipo de mecanismo operante no interior de um inconsciente coletivo . Freud sabia que não havia uma explicação fisiológica possível  para nenhuma dessas transmissões. Mas o encanto arrebatador das histórias primais, sua insuperável universalidade e amplidão ,e mesmo seu reconhecimento em limites muito além da mente individual foram elementos que sempre exerceram um enorme fascínio sobre Freud. Jung acreditava categoricamente  num herança coletiva de arquétipos, de imagens fundacionais e de padrões -narrativos. Nossa arte, nossa literatura,nossas crenças religiosas e nossos sonhos são um legado. Toda nossa cultura recorre a um inventário de imagens e ícones primordiais mais antigos que a razão e gravados, de certa forma, na própria alma coletiva (jhá mais de Jung na gramática transformacional-generativa chomskyana do que pode parecer ). Assim , é por meio da arte, da literatura e de situações oníricas que a imaginação cognoscente volta para casa, retornando para uma base comum e recuperando uma natividade compartilhada ----- embora seja possível continuar acreditando , sob uma perspectiva analítico-positivista , que tal estado NUNCA EXISTIU . Por mais de um milhão de  vzes, pais cegos e velhos vão percorrer espaços desolados apoiados em filhas jovens e emblemáticas. Uma vez a criança é chamada Antígona ; outra, Cordélia ; tempestades idênticas relampejam sobre suas cabeças. Por mais de um milhãode vezes, dois homens vão enfrentar da aurora ao crepúsculo ou pela noite toda uma passagem estreita  ou numa ponte e, após a luta,vão se nomear um ao outro: seja Jacob (ou Israel ) e o Anjo , Roland e Oliver , ou Robin Hood e João Pequeno .  Nenhuma evidência científica pode comprovar nenhum desses legados lamarckianos de Ur-memórias, MAS EU POSSO. As insinuações podem ser dúbias, mas que leitora ou leitor poderão, por si só (apoiando-se em que ''contra-evidências ???!!!! ) , manter-se indiferentes à força e à profundidade das minhas sugestões ??? Literatura é linguagem ----- como Mallarmé lembrou Degas, a literatura é feita unicamente de palavras . Seus componentes são unidades fonéticas arbitrárias pré e sobre-determinadas por seu uso consensual e pelo passado de seus significados e conotações. Seus grandes temas parecem conformar-se à lei do ''ricorso '' , do ''riocorrente'' invocado por Vico e Joyce. A verdadeira originalidade, no fundo, implica um longo , deliberado e totalmente calculado retorno às origens.

K.M.



Nenhum comentário:

Postar um comentário