quarta-feira, 7 de dezembro de 2016
A pausa silenciosa do ator nô...
A estética tradicional japonesa, profundamente enraizada em sua perspectiva zen-budista, enfatiza o intervalo, a lacuna, o silêncio, o entre e o em meio a. No verso encadeado japonês (renga), por exemplo, o efeito estético resulta menos das cenas descritas que do espaço-tempo entre os versos encadeados. "Concentre-se no que não é dito", disse Shinkei (1406-1475), o poeta. Zeami Motokyio (1363-1443), o fundador do teatro nô, afirmou que "os momentos de inação" (sensu tokoro), ocorridos entre (himu), são os mais deliciosos do teatro nô . "O que o ator NÃO FAZ tem interesse" (sennu tokoro ga omoshiroki) .
Os japoneses chamam esses espaços ou tempos intersticiais de ma. Diz-se que o ma vem do chinês, o caractere que mostra o sol no meio de portão aberto. Originalmente, era usado unicamente para referir-se a espaço mas passou a designar igualmente o tempo. Pode ser traduzido por "espaço, espaçamento, intervalo, lacuna, vão, lugar, interrupção, pausa, tempo, ocasião ou abertura". Tem conotações tanto abstratas como concretas. Um lugar é ma porque é um espaço entre paredes; em música, uma pausa também é ma, porque ocorre entre duas notas . Roland Barthes (1982) tentou - de um modo por demais afetado e profundamente francês (e, por isso, etnocêntrico) - delinear o ma em sua interpretação pós-estruturalista do Japão. Ele utiliza expressões como "o nada pregnante", uma reminiscência desmembrada, descentrada, deslocada", um "signo vazio remanescente da fissura do simbólico" para evocar algo que ele não nomeia. Artistas, acadêmicos e arquitetos japoneses defendem que o termo resiste à tradução. Salientam-lhe a ambigüidade, o fato de que, para ser compreendido, se deve levar em conta uma configuração de espaço e tempo, que não podem ser separados um do outro, unicamente japonesa e uma concepção de energia ou poder espiritual (ki_ ou chi) que ressoa no interior do espaço-tempo, entre e em meio a. Ele é um cronotopo negativo - um silêncio, um vazio -, não obstante fecundo, que antecipa (e é antecipado por) o espaço-tempo positivo da ação em, digamos, uma peça nô. Ma refere-se, simultaneamente, a algo e a experiência desse algo. Não é objetivo nem subjetivo, mas uma coalescência dos dois, pois, visto que o ma desconstrói todos os limites, ele tem (suponho) de eliminar aqueles existentes entre o objetivo e o subjetivo.
Motokiyo observa que é o kokoro - a força espiritual subjacente do ator nô - que produz o deleite da platéia em "momentos de inação". O ator não relaxa a tensão quando a dança ou o canto chegam ao fim ou em intervalos entre (hima) o diálogo e os diferentes tipos de mímica. Ele conserva sua "firme vontade interior (naishin)", mas não deve torná-la aparente, o que equivaleria a agir e, portanto, deixaria de ser inação. Quero destacar uma espécie de relação chame-se suspense ou tensão dramática - que não se presta a uma análise coloquial. Depende sobremaneira de pausas e silêncios; que fogem à mensuração. Há diferentes silêncios, diferentes pausas; diferentes atitudes em relação a eles. Têm valor qualitativo.
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